A mulher medieval

  
           A mulher medieval é olhada sob dois diferentes ângulos pelos trovadores.
                
      Nas cantigas de amor, o trovador fala de uma mulher idealizada. Ele se dirige à dama na esperança de que ela pudesse entender sua coita. Com o objetivo de uma elevação espiritual, o poeta mantém distância de sua amada. É um amor purus dentro do modelo proposto pelo caritas no universo cultural cristão. Isso deve justificar por que, na maioria das vezes, o trovador se apaixonava por mulheres casadas. Afinal, se o amor é irrealizável, na teoria, não há possibilidade de adultério.

                
[Cantiga de Amor de João Garcia de Guilhade]

A bõa dona por que eu trobava,
e que nom dava nulha rem por mi,
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pero s'ela de mi rem nom pagava,
sofrendo coita sempre a servi;
e ora já por ela 'nsandeci,
e dá por mi bem quanto x'ante dava.
 
E pero x'ela com bom prez estava
e com [tam] bom parecer, qual lh'eu vi,
e lhi sempre com meu trobar pesava,
trobei eu tant'e tanto a servi
que já por ela lum'e sem perdi;
e anda-x'ela por qual x'ant'andava:
 
por de bom prez; e muito se preçava,
e dereit'é de sempr'andar assi;
ca, se lh'alguém na mia coita falava,
sol nom oía, nem tornava i;
pero, por coita grande que sofri,
oimais hei dela quant'haver cuidava:
 
sandec'e morte, que busquei sempr'i,
e seu amor me deu quant'eu buscava!

               
       
         Nas cantigas de amigo, aparece uma outra face da mulher. Como o trovador tem mais influência de classes populares e se utiliza da voz feminina, a donzela camponesa ganha espaço dentro da poesia. Ela está inserida no imaginário do universo cultural pagão. É sempre relacionada à natureza, à fertilidade e a metáforas do amor natural. A voz feminina substitui o caritas pelo eros, trazendo à tona o amor mixtus (físico/carnal). Entretanto, devemos nos lembrar de que ainda é o trovador quem escreve as cantigas, então ainda predomina a visão do homem medieval ao retratar a mulher. 

[Cantiga de Amigo de João Garcia]

A meu amigo, que eu sempr'amei,
des que o vi, mui mais ca mim nem al,
foi outra dona veer por meu mal;
 mais eu, sandia, quando m'acordei,
nom soub'eu al em que me del vengar
senom chorei quanto m'eu quis chorar.
 
 Mailo amei ca mim nem outra rem,
des que o vi, e foi-m'ora fazer
tam gram pesar que houver'a morrer;
mais eu, sandia, que lhe fiz por en?
Nom soub'eu al em que me del vengar
se nom chorei quanto m'eu quis chorar.
 
Sab'ora Deus que no meu coraçom
nunca rem tiv[i] ẽno seu logar,
e foi-mi ora fazer tam gram pesar;
mais eu, sandia, que lhe fiz entom?
nom soub'eu al em que me del vengar
se nom chorei quanto m'eu quis chorar.


Referências bibliográficas
*Aulas ministradas pelo professor Fernando Fiorese na disciplina de Estudos Literários II na UFJF 2017.3.
<http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=396&pv=sim> Acesso em 31/08/2017 às 16:11. 
<http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=855&pv=sim> Acesso em 31/08/2017 às 16:27.

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